segunda-feira, dezembro 10, 2007

Conto de Natal 2007

Todos os anos escrevo um conto de Natal e partilho-o por email.
Este ano partilho-o pelo meu blog.
Espero que gostem.

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Hora de almoço.
Caminha pelo jardim do Príncipe Real, um homem ricamente vestido. Olhava em frente como se tudo o que estivesse à sua volta não fosse novidade. Decidido, dirigiu-se para um banco meio ocupado por outro homem:
- Posso me sentar?
- Faz favor. – Diz outro homem sem levantar a cabeça. Estava sentado, inclinado para frente com os cotovelos em cima dos joelhos, com os olhos fitos em frente.
- Gosto de vir para aqui comer uma peça de fruta após o almoço.
- O ar não é do melhor, mas sabe sempre bem sair à rua.
- Por vezes sinto vontade de me ir embora e não voltar a trabalhar da parte da tarde. Mas se me vou embora fico a pensar no que ficou por fazer, e efectivamente… só sei trabalhar. Sou o que se chama agora um “workaólico”. – Tira uma maçã do bolso e dá-lhe uma trinca com gosto.
- É casado?
- Fui! Por duas vezes. Mas o meu estilo de vida não se compatibilizava com o casamento. Casei-me com o trabalho analisando bem.
- Filhos?
- Também não. Fui adiando, adiando e acabei por optar não os ter.
- Vive sozinho?
- Sim. Mas divirto-me muito com os meus amigos e viajo muito. Nunca tive muito tempo para a família. Sinto-me realizado. Tenho 65 anos e tenho muitos anos pela frente para dar com o meu trabalho.
- E quando acha que chegou o dia do “basta”?
- Quando decidir pegar no dinheiro e ir viver para um sítio ao sol, gozar o resto dos meus dias. E você? O que faz?
- Eu sou reformado. Também tenho 65 anos. Podia ter optado por trabalhar horas desmesuradas para um dia, como o senhor, viver talvez uns 10 anos da minha velhice num sítio ao sol, mas preferi um outro caminho bem melhor.
- MELHOR? O que pode ser melhor que ter de tudo e poder viver no luxo nos últimos dias da nossa vida? Sem preocupações?
- Enquanto fui jovem, sem dores nas articulações, nem problemas de saúde, fazia o meu horário de trabalho, e no resto do tempo, divertia-me. Fazia outras coisas que não poderei fazer quando for velho. Viajei pouco, porque não havia dinheiro, por isso fui selectivo. Procurei todos os dias fazer algo que me enchesse o espírito e quase nunca a algibeira. Criei duas filhas e um filho. A mais velha formou-se e está junta com um homem que ela escolheu para sua companhia e o rapaz está a acabar os estudos. Quer ser médico. A mais nova das minhas filhas de morreu de problemas de parto. Tomei conta do filho dela. Agora é um rapaz de 15 anos. Meu casamento teve altos e baixos, mas sempre conseguimos ultrapassar os problemas. E fiz grandes amizades que duraram até hoje. Diga-me! Tem amigos?
- Claro que tenho. Viajo, jogo golfe e divirto-me com eles. E família. Irmãos e sobrinhos.
- Eu sei. Já me disse isso. Eu falo daqueles que sabe que estão ali para lhe dar a mão, num dia, que por alguma fatalidade ficar sem dinheiro. Daqueles que sentiu estão consigo porque gostam da sua pessoa e não do seu dinheiro. Tem alguém neste momento que possa dizer que gosta mesmo de si?
- Oiça! Está a ser inconveniente. Não me conhece de lado nenhum par me falar assim.
- Conheço. Mas você não me conhece a mim. Eu fui seu empregado. Porque não queria trabalhar mais horas por uma ninharia, por cumprir somente o meu horário e preferir ir para casa para junto da minha família, passei 7 anos de inferno na sua empresa até ter idade para me reformar.
- A sério agora? Está feliz? Está aqui neste banco do jardim, sem trabalho a viver da reforma, sem saber se vai ter de comer amanhã quando podia ainda estar a trabalhar e a produzir.
Nesse momento, o homem levanta-se, sempre a olhar em frente. Nunca desviou os olhos por um segundo que fosse.
- Engana-se! Neste momento tenho um trabalho pelo qual trabalhei a vida inteira. Você quando morrer vai ter o seu nome gravado numa pedra fria. Eu vou ter o meu nome gravado ali.
O homem rico segue com o olhar para onde o ex- funcionário apontava. Vê um menino e uma menina a correr na sua direcção. Vinham do parque infantil. Transpirados, sujos e desfraldados. Chegam ao pé do homem aos saltos:
- O que é o almoço, avô? – Gritavam os dois pendurados nas mãos do sexagenário.
- Vamos ver o que a avó fez hoje! Mas primeiro têm que tirar essa roupa e irem-se lavar. Cumprimentem este senhor. Foi o meu antigo patrão. Estes são os filhos da minha filha mais velha.
- Boa tarde, senhor! – Disseram em coro.
- Boa tarde… – disse o ex-patrão sem saber o que a havia de fazer para sorrir. – Mas diga-me. Que trabalho é esse que pelo qual tanto trabalhou a vida inteira?
- Ainda não percebeu? Minha neta acabou de o dizer.
O homem rico seguiu com os olhos aqueles três a afastarem-se. Olhou para a maçã meio comida. Levantou-se. Deu a última dentada e colocou-a no cesto do lixo que estava ao lado do banco. Olhou para o relógio… e voltou a sentar-se. Fechou o casaco como se um repentino frio o tivesse atingido. Levantou os olhos e procurou o parque infantil. Seus olhos pararam num baloiço vazio.
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